Guardas municipais vêm ampliando uso de arma de fogo e suas próprias atribuições
Arquivo PMBC
Por José Higídio, da Revista Consultor Jurídico
Entre 2019 e 2023, o percentual de municípios nos quais a guarda municipal usa arma de fogo subiu de 22,4% para 30%. No mesmo período, o efetivo da Polícia Civil no Brasil registrou queda de 7,9%. Já o da Polícia Militar caiu 4,4%.
Os dados são das Pesquisas de Informações Básicas Municipais (Munic) e Estaduais (Estadic), feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgadas nesta quarta-feira (30/10).
As pesquisas também revelaram que, nesses cinco anos, os municípios com até dez mil habitantes tiveram um aumento médio de 97% no uso de arma de fogo pelas guardas. Ou seja, em média, o número de guardas armados nessas cidades quase dobrou.
Em 2021, o Supremo Tribunal Federal autorizou o porte de arma para todas as guardas municipais do país (ADI 5.948, ADI 5.538 e ADC 38).
Até então, isso era restrito às capitais dos estados; aos municípios com mais de 500 mil habitantes; e aos municípios com população entre 50 e 500 mil, mas somente quando os guardas estivessem em serviço.
O estudo do IBGE também constatou uma ampliação do escopo das atividades e um aumento no número de atribuições das guardas municipais.
Embora a principal função das guardas ainda seja a proteção de bens, equipamentos e prédios do município, o patrulhamento de vias públicas passou a ser a segunda atividade mais desenvolvida por elas (em 86,8% dos casos).
Em 2019, as atividades de segurança em eventos e comemorações (83%) e de auxílio à PM (80,1%) estavam à frente do patrulhamento ostensivo.
Atribuições em pauta
As atribuições das guardas municipais têm se tornado tema recorrente de julgados no STF e também no Superior Tribunal de Justiça, em especial nos casos que tratam da validade de provas obtidas por esses agentes em casos de tráfico de drogas. O fenômeno se insere em um contexto de expansão das guardas ante o encolhimento das polícias.
Desde 2022, o STJ vinha estabelecendo uma série de limites à atuação das guardas. No entanto, conforme mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, a Corte passou a revisar sua jurisprudência em função de uma tendência do STF de validar ações de policiamento ostensivo pelos guardas.
No começo do mês, a 1ª Turma do Supremo considerou, por maioria, válidas as provas obtidas por guardas municipais em uma busca domiciliar. No caso, o acusado teria dispensado entorpecentes embalados ao avistar os agentes municipais, que, posteriormente, foram à residência do suspeito e encontraram o material ilícito.
Ainda na ocasião, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, votou para cassar um acórdão da 5ª Turma do STJ que absolvia o acusado. Para ele, a guarda atuou legalmente ao efetuar a prisão em flagrante, uma vez que o tráfico de entorpecentes é crime permanente e, portanto, aquele que o comete continua em estado de flagrância.
Em junho de 2022, no entanto, também em decisão da 1ª Turma, o STF optou por restabelecer acórdão do TJ-SP que absolveu um acusado de tráfico. Ele havia sido preso em flagrante por guardas municipais.
Jurisprudência do STF
No período entre as duas decisões divergentes, em 2023, o Plenário do STF decidiu que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública (Susp).
Para o ministro Luiz Edson Fachin, o reconhecimento das guardas como integrantes do Susp não as autorizou a exceder sua competência. Este também foi o entendimento de especialistas entrevistados pela ConJur .
Já em decisão monocrática mais recente, o ministro Flávio Dino entendeu ter sido legal a busca pessoal feita pela guarda contra um suspeito de roubo, por haver fundadas razões para isso.
Na ocasião, o magistrado cassou acórdão da 6ª Turma do STJ que absolveu o suspeito ao ver ilegalidade na busca. Dino apontou “incongruência” da decisão do STJ com a decisão do Plenário do STF: “Teríamos um órgão de segurança pública de mãos atadas para atender aos cidadãos na justa concretização do direito fundamental à segurança.”