Rock in Rio: O desafio de um jovem engenheiro na primeira edição
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Publicado em 18/08/2024

O engenheiro lembra quando era um jovem, em 1985, e enfrentou o desafio de coordenar a operação elétrica do primeiro Rock in Rio, transformando medo em experiência e crescimento profissional

Por Wagner Victer no Diário do Rio / Foto Sérgio Valle Duarte (Wikipedia)

“Me tira dessa! Coloca aquele engenheiro novo, cabeludo, que tem cara de gostar de rock!!!” Foi assim que, em 1985, há cerca de 40 anos, e praticamente como engenheiro recém-formado, me foi empurrado pelos engenheiros mais antigos o desafio improvável de coordenar a operação e a manutenção, pela Concessionária de Energia Elétrica – Light, de um festival de rock que eu sequer imaginava o que seria e em que se transformaria.

A Light era ainda uma empresa estatal, na qual eu havia ingressado por concurso público, em 1984, para o quadro de engenheiros. Na ocasião, recebi a incumbência de montar uma pequena subestação móvel de energia elétrica para abastecer um novo evento que surgia, que seria no “meio do nada” e sobre o qual mal sabíamos a configuração e o comportamento da carga.

 Confesso que, na hora, tremi e até hesitei em aceitar, pois, apesar de já fazer parte de um grupo que fazia manutenção de grandes subestações em alta tensão (34,5 KV a 138 KV), que ficava em um prédio histórico da Light, na Rua Frei Caneca, no Catumbi, nunca havia assumido sozinho a coordenação da operação de um evento, que obviamente, se acontecesse algum problema, teria repercussão imediata. Além disso, tinha pouco mais de 1 ano na empresa.

Montei uma equipe em que confiava, com um encarregado experiente de nome Haroldo, e começamos os procedimentos para supervisionar a montagem e interligação daquela subestação, que, por ser móvel, trouxemos em um caminhão e que era até pequena diante de outras com as quais atuávamos. Os “peões”, como carinhosamente chamávamos os mecânicos e os eletricistas, adoravam esses desafios, pois ganhavam horas extras turbinadas por adicionais noturnos. Porém, os engenheiros mais antigos fugiam dessas operações, pois não recebiam qualquer adicional e, eventualmente, só ganhavam folgas como compensação, razão pela qual herdei a responsabilidade dos mais seniores, de ser o “chefe” do “Primeiro Rock in Rio”!

 

Wagner Victer em 1985

 

Fui visitar o local onde seria o evento e me perdi! Na ocasião, não havia os modernos GPS, e a viagem foi feita em um fusquinha verde da empresa, de número serial 1434, que eu mesmo dirigia. Nunca o esqueci. Carinhosamente, o apelidava de “Trovão Verde”, em homenagem ao filme famoso da época “Trovão Azul”, um helicóptero de guerra, o que tornou a viagem ainda mais distante, já que naquela época, ar-condicionado e direção hidráulica só existiam em carros importados de bacanas.

Quando cheguei ao local, pensei: “Esses caras são loucos!! Aqui não tem nada, só o barro batido”, que começava a ganhar forma inexplicável por máquinas de terraplanagem que pareciam combater entre si e geravam muita poeira!

 

Meu gosto musical estava mais para a Pop Music, tipo Elton John, mas os anos anteriores, com o hit “Show me the way”, de Peter Frampton, me fizeram frequentar os bailes de Hi-Fi de camisa Hang Ten, animados pelo saudoso Disk Jockey Big Boy, no Clube Jequiá, na minha gloriosa Ilha do Governador. Isso fez com que o jovem engenheiro encarnasse a obrigação e a responsabilidade de ficar à frente do evento como se eu fosse o mais importante artista!

Na primeira reunião com o pessoal da organização do evento, confesso que assustei os caras, que não acreditavam que aquele menino, na ocasião, magro, cabeludo e sem barba, estaria assumindo uma responsabilidade que podia literalmente levar às trevas o evento! Para reduzir a tensão, os levei para conhecer nossos escritórios associados, oficinas e algumas unidades de subestação rurais que tínhamos na Estrada dos Bandeirantes, próximo ao local.

É óbvio que tremia de medo! Os engenheiros mais seniores com quem eu convivia na Light, Luiz Antônio Machado, José Manoel Carneiro e José Paulo Sarmento, ao mesmo tempo que me tranquilizavam naquela primeira experiência, me davam dezenas de recomendações de posturas! Aliás, o engenheiro Sarmento, o gordinho, trabalhava até há pouco tempo comigo e, obviamente, desconto sempre os merecidos “esporros” que levei, mas que servem de testemunho vivo dessa faina que vivenciei.

Chegou o grande dia! Fui bem cedo ao local com minha equipe! Comemos sanduíches que nos eram dados pela organização ou marmitas requentadas em papel alumínio, e inclusive provei uma nova cerveja que praticamente era lançada no evento, de nome Malt 90. Ela vinha resfriada em caminhões criogênicos especiais, o que fez com que a tradicional soneca que tirávamos na hora do almoço fosse um pouco mais longa! Isso mesmo, tínhamos o hábito salutar de tirar um cochilo na hora do almoço e, desde cedo, aprendi a acompanhar a peãozada na soneca. Era salutar a forma de integração com a equipe! Dormíamos no carro ou embaixo de qualquer sombra, com um papelão sempre disponível em todo veículo de manutenção como sendo um apetrecho fundamental da equipe!

 

Sentia-me realizado! Com a operação correndo bem, eu já podia circular pelos diversos ambientes com o crachá tipo “License to Kill”, recebido da organização, que me dava acesso a todos os ambientes do planeta. Logicamente, eu o fazia devidamente paramentado com meu capacete branco, preso pela jugular e devidamente identificado pela marca da Light, com meu nome colocado com adesivos que vendiam em papelaria, botas e um volumoso jaleco (guarda-pó) azul, só permitido para uso dos engenheiros. Além disso, portava um vistoso “Bip”, que era o aparelho antecessor ao celular, para avisar a existência de mensagens em uma central. O equipamento era muito utilizado por médicos na ocasião, mas me conferia um caráter bastante profissional. Aquilo, para mim, era “onda pura”, pois aumentava minha autoestima, em especial com aquele público juvenil feminino que fervilhava no evento e que catapultava meus hormônios de quase adolescente, orgulhoso em ostentar, tão jovem, o nome “Engenheiro” no crachá que recebi da organização.

Em todos os dias do evento, a operação foi um sucesso, ao ponto de, cada vez mais, permitir minhas “rodadas” no ambiente e me tornar cada vez mais conhecido, apesar das olheiras não recuperadas pelas poucas horas de sono que tirava no Motel Dunas, na Barra da Tijuca, oferecido pela organização do evento e que, aliás, existe até hoje. Como convivi mais de um mês morando lá, virei muito íntimo do pessoal da portaria, garçons, camareiras e ganhei gratuidades para usos no pós-evento, onde eu chegava meses mais tarde como se fosse um Pop Star e o maior garanhão, até sendo chamado intimamente pelo nome no ambiente da alcova.

Como retribuição àquela dedicação, a organização do evento me ofereceu também alguns convites do Rock in Rio e pude, na ocasião, me descaracterizando de engenheiro, levar uma namorada que tinha à época para assistir ao show antológico de James Taylor e curtir uma chuvarada amenizada pelas belas capas de chuva amarelas da Light, que existiam em nosso suporte de manutenção, enquanto a maioria do público improvisava capas com sacos de lixo que surgiam para ser comercializados, sabe-se lá vindo de onde!

A única tensão que tive se passou quando, já me considerando totalmente ambientado, resolvi assistir ao show do Ozzy Osbourne, me posicionando em cima do palco, na sua lateral, como se fosse membro da sua equipe de “rock pauleira”! O show transcorria daquela forma tradicional do grupo, que assustava qualquer neófito diante daquelas performances que envolveram até a mordida em um morcego, e de repente a fiação de alimentação do sistema de iluminação de palco começou a pegar fogo. Alguns membros da plateia me identificaram e começaram a gritar: “Olha o cara da Light! Pega!” Não pensei duas vezes e saí correndo, escondendo em uma mesa atrás do palco meu capacete e o vistoso jaleco azul, até porque diziam que nas “lendas” aconteciam “performances macabras” no palco e na plateia, e não quis me transformar naquele morcego tupiniquim a ser devorado em sacrifício. Até porque nosso limite de trabalho pela empresa se limitava até a saída da subestação, e a alimentação interna cabia ao evento, e sabia que se o caos viesse, tais explicações soariam como piada para o público, todo vestido de camisas pretas, que estava totalmente ensandecido com o show.

Digo sem sombra de dúvida: o Rock in Rio teve real importância na minha carreira como engenheiro! E costumo dar esse exemplo de que muitas oportunidades que nos surgem não devem ser temidas e sim transformadas em um desafio, o que pode até ajudar a forjar um novo profissional.

Entrei no evento como um jovem assustado, confesso que sem experiência mesmo para assumir o desafio, e saí me sentindo um gigante, e devo isso aos meus amigos.

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