Especialistas alertam para risco de acúmulo de créditos e perda de competitividade com novo modelo do IBS/CBS. Preocupação marcou debates do 3º Seminário Tributação em Óleo e Gás, na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro
Por Ascon Firjan RJ
Com o regime monofásico, o setor de gás natural pode enfrentar um acúmulo de até R$ 9 bilhões por ano em créditos presos na cadeia. O alerta foi feito por especialistas durante o segundo dia do 3º Seminário Tributação em Óleo e Gás, promovido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro e pela Infis Consultoria, nesta quarta e quinta-feira (10 e 11/4) no Rio de Janeiro. A estimativa considera a alíquota máxima de 26,5%, prevista para o novo modelo de tributação do IBS/CBS. Para representantes da indústria, o risco é que a introdução do regime monofásico para o gás natural, ao buscar simplificação, acabe comprometendo a competitividade de um setor essencial para a transição energética.
O mercado de gás natural no Brasil vive um ponto de virada, com aumento de investimentos, entrada de novos agentes e maior diversificação da oferta — sinais claros de amadurecimento. Mas esse avanço pode ser ameaçado pelo modelo monofásico do gás natural aprovado na Reforma Tributária, que concentra a arrecadação em apenas um elo da cadeia produtiva, normalmente na origem.
Para os especialistas, essa mudança ignora as especificidades do setor e pode desorganizar sua dinâmica, ao transformar o imposto em um custo fixo que dificulta novos modelos de negócio e trava recursos que poderiam ser destinados a novos investimentos. “Como a maior parte do consumo de gás é destinada à indústria ou à geração de energia, o regime de monofasia ignora as especificidades dessa cadeia e gera distorções graves, como aumento da carga efetiva, perda de competitividade e acúmulo de créditos. Por isso, ele não representa, na prática, uma simplificação. O que se vê é uma antecipação da arrecadação fiscal, que deixa as empresas dependentes da agilidade nos ressarcimentos. Isso gera incerteza e uma certa angústia para os contribuintes”, explica Eduardo Pontes, sócio fundador da Infis Consultoria e membro do Conselho Empresarial de Petróleo e Gás da Firjan.
O modelo não só tende a aumentar a carga tributária da cadeia de gás natural, como também pode comprometer a atratividade dos investimentos no setor. É o que destaca Rodrigo Novo, gerente tributário na Origem Energia e coordenador do Comitê Tributário de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP). “O segmento de gás natural está no umbral quanto ao seu futuro regime tributário. Se o regime monofásico não for incorporado de forma adequada à agenda de investimentos no setor, acabará sendo apenas um acréscimo de custo, isto porque se transforma em capital de investimento travado dentro da cadeia. Não adianta tentar convencer o investidor estrangeiro — ou mesmo o local — se não houver segurança jurídica e transparência do ponto de vista fiscal. Sem isso, o incentivo para investir no gás natural do Brasil simplesmente não se sustenta”, defende Novo.
O cenário parece ir na direção oposta dos esforços do Ministério de Minas e Energia (MME) para reduzir o preço do gás para o consumidor final. “Por meio do Programa Gás para Empregar, o MME tem promovido esforços para reduzir os custos em cada elo da cadeia. Mas faltou sinalizar também uma redução da tributação. Ao contrário, o regime monofásico muito provavelmente aumentará a carga tributária”, explica Sylvie D’Apote, diretora do IBP.
Em sua avaliação, há uma inconsistência nas políticas públicas setoriais, com objetivos conflitantes: de um lado, a tentativa de simplificar e aumentar a arrecadação com a reforma tributária; de outro, a necessidade de tornar o gás mais competitivo como âncora para a reindustrialização e a transição energética do país.
“O gás natural é um combustível essencial para garantir a segurança energética, ao mesmo tempo que avançamos na transição energética. Ele é um complemento indispensável das energias renováveis intermitentes e também um facilitador da inserção do biometano”, conclui.
Gás natural: peça-chave na transição energética
A preocupação se acentua diante do crescimento da demanda elétrica nos próximos anos. Segundo Paula Alves, diretora tributária da Eneva, o país já enfrenta um risco real de desabastecimento. “O sistema elétrico brasileiro já enfrenta um risco real de falta de energia a partir de 2026. O fato é que não dá tempo de colocar uma térmica ou uma usina de pé em menos de quatro ou cinco anos”, afirmou. “A energia contratada hoje não será suficiente para abastecer o país a partir de 2027, e o gás natural é a solução para esse cenário.”
Diante desse contexto, a expectativa do setor é por ajustes na regulamentação do novo sistema tributário, de modo a garantir que o gás natural continue cumprindo seu papel estratégico na expansão da matriz energética brasileira. “O setor passou por uma diversificação brutal na oferta e entrada de novos players. Isso cria complexidade, mas também mostra que estamos lidando com um mercado amadurecido”, afirmou D’Apote.
Mas se o gás natural deixou de ser visto como “um mal necessário” para se tornar parte da solução energética do país, como disse Anderson Bastos, diretor de estocagem da Origem Energia, os desafios da transição continuam. Um deles é a criação de estruturas para estocagem do insumo, essencial para o equilíbrio entre oferta e demanda. “No passado, a Petrobras fazia toda a gestão de risco. Com a entrada de múltiplos agentes, precisamos de mecanismos que garantam o balanceamento do sistema. A estocagem vem para isso e deve estar operacional ainda este ano”, adiantou Bastos.
evento, que reuniu especialistas do setor, destacou a urgência de se construir um ambiente regulatório e tributário que acompanhe a transformação do mercado de gás natural, estimule investimentos, facilite a entrada de novos agentes e preserve a competitividade e a sustentabilidade do setor energético.