Escolhida para receber a Medalha Tiradentes, a principal do Estado, a professora aposentada ainda vive isolada em área que todos os vizinhos venderam suas terras para o projeto de distrito industrial
Por O GLOBO, Foto Divulgação
Nesta segunda-feira, Dona Noemia Magalhães, moradora de São João da Barra, no Norte Fluminense, conhecida na região por defender o meio ambiente e enfrentar solidariamente a especulação imobiliária na região há uma década, foi homenageada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) com a Medalha Tiradentes — a principal do Estado. Aos 78 anos, a professora aposentada vive há 30 anos na cidade onde decidiu construir o Sítio do Birica para desfrutar de sua aposentadoria na natureza.
Ilhada em uma área de 60km quadrados, Dona Noemia vive de uma maneira sustentável, comendo apenas o que planta na hora que criou. No local havia 409 áreas rurais, mas todos os vizinhos foram pressionados a vender suas terras para o projeto de distrito industrial do Porto do Açu, que até os dias de hoje não saiu do papel.
— Nosso mandato indicou a concessão da Medalha Tiradentes à Dona Noemia, cuja trajetória conhecemos há muitos anos, não apenas por reconhecer a sua luta e história de vida, mas também para dar visibilidade à a uma questão fundamental para o nosso planeta que é a defesa do meio ambiente. Coincidentemente, a entrega está sendo feita neste período trágico para o nosso povo, especialmente o do sul do país, de onde vim. Mas quem sabe não pode ser o ponto de partida para a gente, enfim, começar a olhar com mais seriedade para a crise climática que, como estamos vendo, já é uma realidade — afirma a deputada Marina do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que propôs a homenagem.
Em 2016, o GLOBO contou a história da atual homenageada pela Alerj. Noêmia decidiu lutar pelo torrão que é a realização de seus sonhos, onde guarda memórias e um projeto de vida. Por ter ficado no caminho do negócio bilionário, contou ter ouvido propostas imorais, sofrido ameaças e pressão psicológica. Sempre que o sol se vai, ela fica numa ilha cercada pelo breu.
Confira história de Dona Noemia: moradora de São João da Barra enfrenta o Porto do Açu para ficar em seu sítio
A história lembra a de Clara, interpretada por Sônia Braga no filme “Aquarius”. No longa de Kleber Mendonça Filho, a personagem desafia as propostas de uma construtora que pretende subir, no lugar do prédio em que ela vive, um novo edifício, na Praia de Boa Viagem, no Recife. Na vida real, Noêmia enfrenta há seis anos os planos de um megaempreendimento que, no início, pertenceu a Eike Batista e, após a derrocada do empresário, passou às mãos da Prumo Logística, controlada por um fundo americano. Qualquer semelhança entre os enredos é mera coincidência. Noêmia ainda nem assistiu ao filme. Mas já sabe que, dependendo dela, as duas histórias terão um mesmo fim, de resistência.
— Não vou desistir. Nunca corri tanto risco de perder o sítio quanto agora. Há um ano, um juiz deu a posse do imóvel ao empreendimento. Uma semana depois, voltou atrás. Mandou que o sítio fosse reavaliado, o que aconteceu em abril. Eles acham que, depois de tanta luta, vou embora facilmente? Vou desobedecer, vão me algemar, podem me prender — diz Noêmia, apresentando razões para a persistência: — Na negociação, existem duas coisas distintas: preço e valor. Quem não sabe a diferença não entende o amor. Quanto vale seu projeto de vida? Isso se negocia? Você dá preço a seu sonho? Valores não se vendem, nem se compram.